Em setembro de 2023, uma mobilização de moradores do Rio2, na Barra da Tijuca, impediu que 15 árvores fossem derrubadas para a construção de um empreendimento imobiliário dentro do condomínio. Pouco mais de um ano depois, a supressão de vegetação, em outras áreas do residencial, volta a assombrar seus habitantes. No total, 36 árvores de grande porte serão removidas, após serem condenadas em um levantamento feito em junho por uma empresa de paisagismo, a Agrorio, contratada desde dezembro passado pela Associação de Moradores do Rio2 (AmoRio2). De acordo com o relatório, elas têm risco de queda e oferecem perigo aos pedestres. Especialistas consultados pelo GLOBO-Barra, porém, criticam o estudo.
No último dia 17, após autorização da Fundação Parques e Jardins (FJP), órgão da prefeitura, datada de 18 de julho, a associação informou aos moradores que iniciaria, quatro dias depois, os trabalhos de remoção das árvores. De lá para cá, mais de 20 já foram cortadas. Indignada com a situação, parte deles diz ter sido pega de surpresa com o comunicado e busca entender como as árvores chegaram a tal nível de deterioração, a ponto de precisarem ser removidas.
— Quando soubemos que haveria a remoção, eu e outras duas moradoras fomos à AmoRio2 para saber de quem é a responsabilidade pela conservação das árvores, mas as respostas foram evasivas. Como moradores, supomos que houve algum descuido com a vegetação. Por que nem a associação nem a prefeitura diagnosticaram o problema antes e o deixaram chegar a esse ponto? Não tinha nada para prevenir a perda de 36 árvores? O que nos garante que, nos próximos anos, não vamos perder mais dezenas delas, por omissão de quem deveria conservá-las? — questiona a jornalista Cláudia Campos. — O sentimento é de frustração, porque aquelas árvores frondosas, de folhagem abundante, que faziam sombra, eram abrigos de pássaros e davam flores estão dando lugar a um visual árido, o que preocupa ainda mais num cenário de caos climático.
Responsabilidade compartilhada
De acordo com a FPJ, em áreas privadas, a responsabilidade pela conservação das árvores é do proprietário, e em espaços públicos adotados, do adotante. Todas as árvores em questão no condomínio Rio2 estão num destes dois tipos de área. Portanto, afirma, a incumbência de cuidar delas é do próprio condomínio. E, em caso de necessidade de manejo, como podas ou cortes, deve ser solicitada autorização à fundação.
A lei 5.788, de 2014, que instituiu o programa Adote.Rio, porém, estabelece que a adoção de áreas públicas não exime o poder público da manutenção desses espaços.
— Embora o Rio2 tenha residenciais particulares, a mobilização em prol das árvores não é só em nosso benefício, porque aqui há espaços públicos também, que são do carioca, como o Rio2 Park. Qualquer pessoa pode usá-lo para um piquenique ou uma sessão de fotos, por exemplo. Inclusive, muita gente vem fazer foto para aniversário de 15 anos aqui. A luta é sobretudo pelo bem-estar de toda a região da Barra e do Recreio, que já sofre tanto com a derrubada de árvores para a construção de prédios — pontua Cláudia.
Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB-RJ, Flávio Ahmed avalia que a responsabilidade neste caso é compartilhada.
— Se quem fez a adoção se incumbiu do cuidado e manutenção, mas o serviço não foi feito a contento, efetivamente há um um nível de responsabilização, tanto da associação quanto da empresa contratada por ela para fazer os serviços. Por outro lado, o órgão do poder público que deixou de fiscalizar o problema poderá ser instado a responder por omissão. São várias camadas de responsabilidade — opina. — A tutela do meio ambiente é dever do poder público, mas com a colaboração de toda a comunidade. Nosso dever como cidadãos é cobrar uma gestão ambiental, recorrendo até ao judiciário, quando for o caso.
O Rio2 tem nove áreas adotadas, incluindo as ruas internas, o Rio2 Park, a praça Burle Marx, uma horta comunitária e árvores, com obrigações como paisagismo, poda e varrição. Em nota, a associação garante que “executa podas de conformação e tratamento fitossanitário visando à conservação das árvores, sob a orientação de um engenheiro agrônomo habilitado” e que “as árvores não estavam em situação de degradação, mas com risco de queda”.
O Adote.Rio possibilita a adoção de áreas públicas, como parques, praças, jardins, monumentos, calçadas e arenas, por pessoas físicas e jurídicas. Para iniciar o processo de adoção, os interessados devem preencher o formulário on-line disponível no site do programa.
‘A supressão é a solução mais barata’
A maioria das árvores na lista de remoção, 24 delas, localizadas na Rua Alfredo Ceschiatti, é da espécie Senna siamea. De acordo com o relatório da Agrorio, elas apresentam galhos quebradiços e níveis de inclinação.
— A inclinação, por si só, não justifica a remoção, até porque o crescimento tortuoso é natural de algumas espécies — observa Emmanoel Ribeiro, biólogo especialista em arborização urbana, que analisou o relatório a pedido do GLOBO-Barra. — Seria preciso ver mais sinais que indicassem um aumento da inclinação ao longo do tempo ou falhas estruturais, como rachaduras e pontos de fragilidade, indicando sobrecarga de forças na madeira. Olhar uma árvore inclinada e condená-la por isso é radicalizar demais. Condenar uma árvore por conta de galhos quebradiços também não faz muito sentido. Isso porque nutrição e uma poda adequada para diminuir o peso dos galhos e recondicionar a copa, para que ela não continue crescendo de qualquer forma, poderiam ser boas alternativas para o problema.
O ambientalista explica que em alguns casos não cabe manejo para tentar recuperar a árvore — como quando a inclinação está muito acentuada. E ressalta a dificuldade de analisar todo o processo:
— Essa análise é a partir de um único ângulo, através das fotos incluídas no documento, a maioria mostrando mais a copa, e sem olhar as demais características. No relatório, a empresa não diz qual foi a metodologia e que ferramentas foram usadas para avaliar as condições das árvores. As informações estão muito vagas.
Ipês, aroeira e algodoeiro ao chão
Foram condenados ainda oito ipês na Rua Mário Agostinelli, “por falta de raízes de sustentação”; uma sibipiruna, na Praça Burle Marx, “por infestação de cupim”; uma aroeira-vermelha, “com deformação na parte aérea e infestação de cupim””; e dois algodoeiros-da-praia na Rua Amilcar de Castro, “espécie exótica com risco de queda iminente”.
— Nem sempre a presença de cupim, por exemplo, vai demandar a supressão. Cada árvore é um organismo diferente; há madeiras mais macias, que o cupim consome como se fosse nada, e outras mais duras e difíceis de serem digeridas por ele. Dependendo do caso, num estágio inicial da infestação, dá para fazer um tratamento. O manejo errado é um dos principais fatores para a deterioração das árvores, como poda malfeita, que não respeita a anatomia da espécie, abrindo feridas que serão a porta de entrada para patógenos. Cupim e fungo não entram em árvores saudáveis — exemplifica Ribeiro. — A supressão é a solução mais drástica e barata, e vários fatores têm de ser considerados antes, como se o problema é solucionável.
Impotência e frustração
Moradora há 14 anos do Rio2, a produtora de cinema Andrea Barros se diz impotente diante de uma luta “praticamente perdida”.
— A Fundação Parques e Jardins deu a autorização para a remoção das árvores em julho. Nós só fomos comunicados pela Amorio2 agora em outubro, e poucos dias antes do início dos trabalhos. A impressão que me dá é que essa foi uma estratégia para não dar tempo de ninguém fazer nada para impedir. Fico triste por não termos podido evitar e agora ver o verde indo embora — lamenta. — Que houve quedas de árvores em cima de veículos do ano passado para cá, houve, mas por conta de intempéries. Ainda assim, com o mundo acabando, realmente faz sentido cortar dezenas de árvores de forma tão súbita? Será que elas estavam tão ruins assim?
Remoção de espécies nativas preocupa
Mestre em Biologia Vegetal pela Uerj, Henrique Souto diz que se preocupa com a inclusão de espécies nativas entre as árvores cortadas, como a aroeira, a sibipiruna e os ipês.
— Espécies nativas realizam serviços ecossistêmicos que são importantes para a humanidade e o meio ambiente. Essas árvores são chamarizes de insetos polinizadores. A aroeira, se fêmea, vai produzir pimenta e atrair pássaros de longe, pelo cheiro, por exemplo. Elas possibilitam que outras espécies circulem pelo local. Portanto, uma supressão desse nível vai além das 36 árvores e envolve uma gama muito maior de organismos — enfatiza. — A Senna siamea e o algodoeiro-da-praia não são nativos, mas foram naturalizados. Não agem como espécies invasoras, que tiram espaço das nativas.
A FJP informa que exigiu o replantio de 40 mudas de árvores na área do próprio condomínio, de espécies como pau-brasil, farinha-seca, lanterneira e aldrago, o que já está sendo feito, segundo moradores.
— A reposição é um processo desafiador, porque as mudas demoram a crescer e fazer sombra novamente; isso, se elas vingarem. Mas, já que a solução adotada foi essa, o mais interessante seria engajar os moradores desse condomínio, num projeto de divulgação de conhecimento sobre o papel das árvores ali e no qual eles pudessem escolher as espécies e participar do replantio, por exemplo. Isso teria um impacto incrível, porque geraria um outro movimento por parte dos moradores, que poderiam falar sobre esse assunto de forma positiva — sugere Souto. — O que não pode faltar no momento é consciência ambiental. As árvores são importantíssimas para amenizar os efeitos das ondas de calor que têm sido frequentes, além de regularem o fluxo de água, contribuindo para as chuvas ao ajudar na formação de nuvens.
Questionada sobre as críticas, a Agrorio não respondeu até o fechamento desta reportagem.