Lançamento de esgoto no emissário submarino da Barra: entenda por que órgãos governamentais e entidades civis questionam concessionária

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Concessionária responsável pelo tratamento de esgoto na região de Barra da Tijuca, Jacarepaguá, Recreio e Vargens, atendendo a uma população de 1,2 milhão de pessoas, a Iguá Saneamento vem tendo a sua gestão colocada em xeque. Tudo começou com uma visita técnica da Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa) à Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) da Barra, em setembro passado, que identificou o lançamento de material sem o tipo de tratamento previsto na legislação no emissário submarino da área, situado na altura do Posto 5 da Avenida Lucio Costa.

A divulgação do relatório provocou reações em série: os Ministérios Públicos estadual e federal abriram representação conjunta para apuração cível e criminal de possíveis ilícitos ambientais, o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) iniciou processo para apurar possíveis danos da mesma natureza, a Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA) instaurou inquérito para apurar os fatos, a Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) organiza uma audiência pública para discutir a questão e a Secretaria de Estado de Defesa do Consumidor (Sedcon) e o Procon-RJ notificaram a concessionária, solicitando esclarecimentos e documentação.

ETE da Barra da Tijuca: concessionária Iguá investe R$ 170 milhões na reforma e na ampliação da estrutura  — Foto: Divulgação/Iguá
ETE da Barra da Tijuca: concessionária Iguá investe R$ 170 milhões na reforma e na ampliação da estrutura — Foto: Divulgação/Iguá

A ETE parou de funcionar totalmente desde que começou a ser reformada e ampliada pela Iguá, em 2023. A Agenersa diz que o trabalho poderia ser feito em etapas, evitando-se assim o despejo de esgoto não tratado no mar, e técnicos do Inea defendem que há equipamentos que poderiam ter sido alugados para tratar os efluentes enquanto a estação estivesse em obra. A concessionária, porém, sustenta que a modernização não seria possível sem a paralisação total da estrutura.

Além da falta de tratamento primário completo do material, o relatório da Agenersa, ao qual O GLOBO-Barra teve acesso, diz que os fiscais encontraram problemas em sete estações elevatórias (Santa Mônica, Quintas do Rio, Amil, Jacarepaguá, Península, Lagoa da Tijuca e Marapendi), o que poderia ocasionar extravasamentos, e ausência de tratamento de odores, com risco de comprometimento da qualidade do ar.

Atualmente, diz a Iguá, o esgoto lançado no mar passa por tratamento preliminar nas 41 estações elevatórias que compõem o sistema da região, e todas estão em bom funcionamento, após investimento de R$ 120 milhões. A empresa afirma ainda que “cumpriu os ritos de licenciamento para as obras de ampliação da ETE” e comunicou a paralisação à Agenersa e ao Inea, garantindo que “demais soluções seriam inviáveis e impossibilitariam a execução da obra”.

Mancha de esgoto vindo da Lagoa da Tijuca para o mar, na altura do Quebra-mar da Praia da Barra: problema recorrente — Foto: Custodio Coimbra/15-05-2025
Mancha de esgoto vindo da Lagoa da Tijuca para o mar, na altura do Quebra-mar da Praia da Barra: problema recorrente — Foto: Custodio Coimbra/15-05-2025

Engenheiro e perito judicial, Eduardo Figueira, presidente do Comitê de Monitoramento do Bloco Dois, entidade que reúne representantes do governo e da sociedade civil, e diretor da Câmara Comunitária da Barra da Tijuca (CCBT), afirma que a Agenersa fez a visita técnica à ETE a partir da pressão da entidade, que representa cerca de 400 condomínios.

— A CCBT é a favor da concessão, desde que o serviço seja sério. No relatório, a Agenersa diz que o esgoto que passa por sete elevatórias não chega à ETE, mas não diz se ele chegava antes (quando o serviço era feito pela Cedae). A Iguá está considerando que toda a rede de tratamento está funcionando bem. Mas sabemos que não. Queremos que haja um mapeamento das elevatórias da região, para então haver um planejamento financeiro para os reparos e obras necessários — destaca.

Embora a falta de tratamento primário do esgoto lançado no emissário signifique um descumprimento de contrato e da lei estadual 2.661/1996, conforme frisa a Agenersa, o oceanógrafo David Zee, antigo morador da Barra que acompanha a questão desde o projeto do emissário, inaugurado em 2007, diz que a preocupação maior deve ser com o bom funcionamento das elevatórias, para que o esgoto não termine nos canais ou lagoas da região.

— Certamente está havendo tratamento preliminar (que retira os resíduos sólidos, antes do tratamento primário), ou o emissário ficaria entupido. A percepção social era de uma insegurança grande na época da criação do emissário, e, então, fizeram uma legislação mais rigorosa em relação à que já existia. Mas com o tratamento preliminar, o emissário já dá conta (do esgoto). Como a Cedae nunca enviou o manifesto de resíduos deste tratamento primário, há a suspeita inclusive de que ele nunca tenha sido feito, apesar da lei — explica Zee. — Essa é uma boa oportunidade para chamar a atenção para o esgoto que vai para as lagoas. Uma imagem de efeito é o Canal da Joatinga, que leva o esgoto da lagoa para o mar. Este é um “emissário” de 0 km de comprimento.

Emissário da Barra em construção, em 2004: inauguração só ocorreria três anos depois — Foto: Ricardo Gomes/31-03-2004
Emissário da Barra em construção, em 2004: inauguração só ocorreria três anos depois — Foto: Ricardo Gomes/31-03-2004

A Iguá tem argumento semelhante: diz que entregará a obra da ETE, orçada em R$ 170 milhões, até o fim do ano, quando o tratamento primário completo voltará a ser realizado, conforme dita a lei estadual, mas afirma que esta exigência é uma particularidade do Rio de Janeiro, e que em diferentes estados do Brasil e países do mundo desenvolvido o tratamento preliminar antes do lançamento dos rejeitos ao mar é considerado suficiente. Acrescenta que os boletins de balneabilidade do Inea emitidos desde que as obras na ETE começaram não apontou problemas nas condições da água, com exceção da área do Quebra-Mar, diretamente afetada pelo lixo que vem da Lagoa da Tijuca.

Por obrigação contratual, a Iguá deve investir R$ 250 milhões na despoluição das lagoas da região. No entanto, segundo a CCBT e o biólogo Mario Moscatelli, que monitora a região há quatro décadas e é consultor da Iguá, o valor necessário para realizar todo o trabalho seria de R$ 1,6 bilhão.

— Seria importante aproveitar que estamos com as máquinas na área para fazer a dragagem necessária. Estamos vendo se o Governo do Estado inteira este valor. Costumo dizer que as lagoas eram um paciente que estava na UTI, mas já a caminho do necrotério. Hoje, está na UTI, mas com previsão de ir para o quarto — destaca Moscatelli.

Multas por seca no Bosque da Barra

Seca nas lagoas do Bosque da Barra,  unidade de conservação ambiental, em outubro do ano passado, rendeu multas de R$ 5 milhões à Iguá — Foto: Custodio Coimbra/15-10-2024
Seca nas lagoas do Bosque da Barra, unidade de conservação ambiental, em outubro do ano passado, rendeu multas de R$ 5 milhões à Iguá — Foto: Custodio Coimbra/15-10-2024

Este mês, a prefeitura do Rio aplicou duas multas à Iguá, num total de mais de R$ 5 milhões, por conta de irregularidades nas obras de ampliação da ETE que teriam levado a uma seca severa dos lagos do Bosque da Barra, uma unidade de conservação. Uma vistoria da Secretaria municipal do Ambiente e Clima constatou, em julho de 2024, o rebaixamento do lençol freático sob a reserva para possibilitar a obra e determinou a paralisação do trabalho, já retomado. A Iguá diz que pretende recorrer das multas e que não há provas de que as obras tenham afetado o volume de água nos lagos, atribuindo a seca à estiagem anormal no período.

Há duas semanas, a concessionária foi alvo de outros questionamentos sobre sua política ambiental em uma audiência pública na Câmara de Vereadores do Rio, organizada para debater a mancha de esgoto que se espalhou no mar da Barra em meados de maio, a partir do Canal da Joatinga. Na ocasião, Mario Moscatelli lembrou que essas manchas são vistas com frequência, por conta de subidas bruscas da maré, o que faz detritos das lagoas chegarem ao mar.

— Num futuro sem lançamento de esgoto nas lagoas, vai ter uma mancha, mas ela não estará contaminada. Como acontece na Ilha Grande (na Costa Verde), por exemplo, onde a mancha é marrom, mas composta de matéria orgânica vegetal — explicou o biólogo.

O debate na audiência acabou por se concentrar no projeto de dragagem das lagoas, que a Iguá pretende concluir até 2027.

— Não adianta só dragar. Ouvimos diversos especialistas. Serão gastos os R$ 250 milhões para remover o lodo, e o esgoto vai continuar aportando nas lagoas de Camorim, Marapendi, Tijuca e Jacarepaguá — afirmou o promotor do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) Alexandre Maximino, que esteve na sessão.

Representando a Iguá, o diretor de operações Lucas Arrosti apresentou os valores previstos para investimentos e alguns resultados obtidos desde então.

— Foram 40, 50 anos de avanço da estrutura, mas a infraestrutura de água e esgoto não acompanhou o boom na região de Barra, Recreio e Jacarepaguá. A Iguá entra no cenário como parte da solução e não do problema. A ansiedade por uma melhora é legítima, mas não existe solução imediata — defendeu.

Durante a sessão, o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara do Rio, o vereador Diego Faro (PL), afirmou que o governador Cláudio Castro, do mesmo partido, comprometeu-se a fazer uma reunião com a CCBT para tratar do restante do financiamento necessário para a obra de dragagem das lagoas.

Desde 2022, a Iguá Saneamento é responsável pela distribuição de água e pela coleta e o tratamento de esgoto na Área de Planejamento 4 da cidade, após vencer o leilão do Bloco 2 da Cedae, que compreende ainda Miguel Pereira e Paty do Alferes. O contrato é de 35 anos.

fonte: oglobo.com.br

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