Em 1980, a Barra da Tijuca e o vizinho Recreio dos Bandeirantes ainda eram bairros a serem desbravados. Com 29.402 habitantes, os primeiros grandes condomínios começavam a ficar prontos dentro das regras do Plano Lúcio Costa, que defende a preservação da natureza. Quase meio século depois e com uma população dez vezes maior, a região ganha cada vez mais novos serviços médicos, de atendimentos luxuosos que miram atrair pacientes até de fora do Rio a uma parceria com o SUS. Esse movimento fez com que a Barra se tornasse o bairro com mais unidades de saúde do Rio, segundo o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), do Ministério da Saúde.
Há quase cinco décadas morando no bairro, Delair Dumbrosck lembra as mudanças que presenciou nesse período:
— Quando cheguei em 1978, minha família tinha todos os atendimentos médicos na Zona Sul porque aqui era precário ainda. Agora são os moradores de outros bairros que buscam atendimento aqui.
Os dados do CNES dão dimensão ao tamanho do crescimento. Enquanto nos últimos dez anos o número de estabelecimentos de saúde dobrou em toda a cidade, o aumento na Barra foi muito maior: mais que quadruplicou. No Recreio dos Bandeirantes, o salto foi na mesma proporção, e o bairro se tornou o nono no ranking, desbancando, por exemplo, Méier e Bangu. Esse boom não deve terminar por aqui.
— O Plano Diretor da cidade, aprovado recentemente, proibiu novos hospitais na região de Humaitá e Botafogo. No resto da Zona Sul, há poucas áreas disponíveis, e os lotes são caros. Onde ainda existem áreas espaçosas é na Zona Oeste. Essa opção vale tanto para moradias quanto para unidades de saúde. Isso explica por que várias redes privadas de saúde, como os grupos D’Or, Amil, Unimed e Américas, se interessaram pela região — disse o presidente da Associação de Hospitais do Estado do Rio de Janeiro, Graccho Alvim Netto.
Mansão da beleza
Os novos serviços focam cada vez mais na medicina de luxo. Avaliada em R$ 50 milhões, uma mansão decorada com palmeiras-imperiais, oliveiras e amplas de lazer, está sendo adaptada para receber uma filial da paulista Human Clinic, que atua na área de estética. A empresa investiu R$ 5 milhões em obras e outros R$ 5 milhões em equipamentos. A ideia é ampliar o atendimento para as áreas de bem-estar: além das consultas médicas, o endereço deve abrigar um SPA e está em negociação a abertura da filial de um restaurante paulista. Quartos serão gerenciados por uma grande rede hoteleira. Os serviços “extras”, que incluem academia, quadra de beach tênis e piscina, serão utilizados apenas pelos pacientes.

O CEO da empresa, Gilberto Mesquita, conta que escolheram a Barra da Tijuca justamente por ser um mercado ainda a ser desbravado no setor AAA. Outro fator que entrou na conta foi a proximidade com o Aeroporto de Jacarepaguá. A clínica está em soft opening e recentemente recebeu um paciente que desembarcou no Jacarepaguá e foi de helicóptero até a clínica — que tem seu próprio heliponto.
A mansão, num terreno de 6,6 mil metros quadrados, não tem um centro cirúrgico, mas Mesquita conta que a clínica já fechou uma parceria com um hospital próximo, onde poderão ser feitos procedimentos mais complexos.
— O público da Zona Sul já tem o médico dele. O que estamos abrindo no Rio é um o ecossistema e não uma clínica normal. Esperamos ter um faturamento mensal de R$ 5 milhões e atender de 250 a 300 pacientes por mês — revela o CEO.
Outro exemplo dessa expansão foi a inauguração, ontem, do novo Hospital Barra D’Or, com 250 leitos, próximo ao Shopping Via Parque e diante da unidade original, do outro lado da Avenida Ayrton Senna — que será dedicada ao atendimento pediátrico. O investimento no novo hospital, erguido em um terreno de 44 mil metros quadrados, foi de R$ 500 milhões, incluindo equipamentos de última geração.
A previsão é que o hospital abra progressivamente para internações a partir de 3 de fevereiro. A conversão da antiga unidade, inaugurada em 1998, acontecerá aos poucos, com obras até o fim do ano, mas sem necessidade de fechamento.
— Entre desenvolvimento, obras e inauguração, cinco anos se passaram. Com o crescimento da Barra, chegamos a 5,8 mil atendimentos na emergência por mês na antiga unidade, perto da capacidade de seis mil para a qual foi projetada, pois a área lá é menor, tem 15 mil metros quadrados. A nova unidade poderá fazer até dez mil atendimentos por mês, uma demanda que só deve ser alcançada em dez anos — diz Martha Saavedra, diretora-executiva da Rede D’Or São Luiz.
Como novidades na área, Martha cita a UTI e um serviço específico voltado para atender pacientes oncológicos que precisam de radioterapia.
— Não será uma UTI tradicional. Os pacientes em recuperação vão ter um ambiente com janelas, o que permite que observem o entorno e saibam se é dia ou noite. Haverá ainda uma área em separado para atender aqueles casos mais graves. Na oncologia, teremos um serviço inédito no Brasil. Tradicionalmente, as partes do corpo que precisam ser tratadas são marcadas por uma tinta especial. No novo hospital, esse mapeamento será feito por equipamentos de infravermelho, que armazenam as informações e dispensam as marcações — explicou a diretora.
A presidente da Associação Brasileira de Arquitetura Hospitalar, Kátia Fugazza, diz que o avanço da tecnologia também impactou a estrutura dessas unidades de saúde:
— A opção nesse mercado pode ser um retrofit em um prédio tradicional ou uma estrutura nova, em áreas disponíveis na Zona Oeste. Hoje, uma das maiores demandas é por serviços de robótica, que exigem salas com dimensões de pelo menos 80 metros quadrados. Os serviços de raios X, por sua vez, precisam de áreas menores.
Entre os recentes empreendimentos na região está ainda uma unidade de oncologia da rede Dasa, aberta em dezembro de 2022 após um investimento de R$ 110 milhões.
Serviço universitário
Foi a infraestrutura do transporte público com metrô e BRT que levou a faculdade de medicina Idomed a abrir a policlínica Dr. Guilherme Romano no Shopping Dowtown, na Avenida das Américas: a via, com o maior o número de estabelecimentos de saúde na cidade, ultrapassou a Rua Conde de Bonfim, na Tijuca. A nova unidade foi concebida em parceria com a Secretaria municipal de Saúde e só atende pacientes do SUS, encaminhados pelo Sistema de Regulação (Sisreg).
A policlínica tem 15 consultórios, onde atuam 51 professores de 11 especialidades com o auxílio de 400 alunos da faculdade.
— Desde o início, o objetivo era ser 100% SUS e continua sendo. Escolhemos essa localidade após conversar com a prefeitura e entender a importância de aumentar o atendimento da rede pública secundária nessa região — disse o neurologista Silvio Pessanha Neto, CEO da Idomed.
Na rede pública, já funcionam na Barra há mais tempo o Hospital municipal Lourenço Jorge, a Maternidade municipal Leila Diniz, ambos na Avenida Ayrton Senna, e uma unidade da Rede Sarah, na Avenida Embaixador Abelardo Bueno.